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Ver "As Mós" - Comunidade Mosense de Vila Nova de Foz Côa



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Textos

1 - TOPONÍMIA DAS MÓS

Quase sempre a palavra Toponímia aparece a encimar uma lista de nomes geográficos relativos a uma determinada área geográfica. Mas aqui ela aparece a anunciar a intenção de contribuir para o esclarecimento da origem ou significado etimológico de alguns dos sítios da povoação das Mós e do seu termo, tentando “ler” o que cada palavra nos revela e, em certos casos, procurar encontrar explicação para os fenómenos relacionados com alguns dos nomes mais singulares, fundamentado na investigação de especialistas, distinguindo esta fundamentação da mera divagação toponímica. Em muitos casos, o sentido primitivo dum topónimo aparece-nos sob a forma de um substantivo ou nome comum, que pode ou não ter um carácter descritivo. Outras vezes, é um nome próprio, geralmente o nome de alguém que num tempo mais ou menos remoto foi dono duma propriedade existente nesse sítio. Neste singelo ensaio poderemos verificar que na nomenclatura geográfica das Mós avultam os nomes relacionados com os rosários de montes e vales que envolvem a povoação e encaixam outros sítios do seu termo. E cada uma destas designações mais não é do que a definição do respectivo fenómeno geomorfológico, pertencendo a respectiva terminologia à Geomorfologia ou Geografia Física.
Tratando-se aqui da Toponímia das Mós, terá inteiro cabimento começar por referir (mais uma vez) este topónimo. Quem se deu ao trabalho de ler outros meus escritos, nomeadamente o que veio publicado na Revista “COAVISÃO“ N.º 5, sabe que eu defendo a ideia de que o nome desta povoação terá origem no facto de em tempos antigos aqui terem prevalecido as mós manuais, ou “móos de braço”, como antigamente de dizia. Mas volto à carga para começar por dizer que não conheço topónimo que tantas vezes tenha “mudado” de grafia. Efectivamente, depois da fórmula medieval As Moos, tem sido designada de maneiras tão díspares, como: Asmos, As Mós, As Moz, Moz, Mós e, ainda, Mós do Douro.
No “Bosquejo Histórico das Mós” exprimi a opinião que me parece mais consensual, escrevendo: “Mós, ou As Mós como também é conhecida”, rejeitando o seguidismo de lhe chamar Mós do Douro.
Embora sendo um indefectível dourófilo, sempre considerei extravagante acrescentar-lhe este potamónimo, assim classificado por ser um nome geográfico cujo étimo mais remoto designava, apenas, o Rio. Tem a sua origem num vocabulário pré-romano, já que enraíza no radical céltico DW ou "DWR", «água» (ou água corrente) documentável no irlandês "dur" (1). Os autores gregos da Antiguidade chamaram-lhe Dorios e na língua latina passou a ser Durius. Em suma: o étimo remoto está naquele radical céltico e o étimo próximo no latim Dorius (variante de Durius). Como demonstra o nome que tomou com o aparecimento da língua portuguesa: Doyro e (mais tarde) Doiro ou Douro.
Também o nosso topónimo Penafria apresenta o elemento toponímico celta Pen que está na raiz do latim Pinna e aportuguesado deu Pena, significando penha, penhasco, penedo, pedra, cabeço, etc.. (No galês actual, pen significa cabeça), Temos então no nosso topónimo Penafria um nome celtico-latino: Pen e o latim frígida. Penafria significará, à letra: penha (fraga) fria.
O nosso conhecido Moninho que é considerado, pela generalidade dos autores, como tendo a origem no antropónimo (nome de pessoa) germânico (suevo ou visigótico) Munnius, Mas o etimologista, J. Pedro Machado, escreveu: " Também há a hipótese de se dever a nome ibérico de pessoa Munus, Muna. "(1).
Com proveniência em étimos latinos temos nomes como Freixo e Freixieiros. Segundo o que apurou José Leite de Vasconcelos, em " Textos Arcaicos" (pág. 203), aquele apresenta a seguinte série fonética:" fráxinu-(=frácsinu) > Fréiseno> > Fréixeno = Fréixeo > Freixeo > Freixo. E Freixieiros < man =" homem">
Chousas (ou Choisas) do nosso topónimo Vale das Chousas ou Vale das Choisas (como diz a gente das Mós) vem do latim Claudo e empregava-se para designar terras que serviam para pastagens de gado, aparecendo também como sinónimo de corte, curral, redil, etc., onde o gado pernoitava. Viterbo, no Elucidário (pág. 99) apresenta Chousa como sinónimo de tapada.
Também do latim palumba (pomba brava) provém o prefixo pomb que com o sufixo eira deu o topónimo Pombeira. E Pombal, com o sufixo al, depois de ter passado por Palumbar (como ainda hoje se diz em mirandês). Este topónimo dever-se-á, certamente, ao característico pombal circular que, até ao início dos anos 40 do século o XX, existiu no princípio da empinada e longa encosta que se estende até ao Ninho do Corvo. E quanto à origem do nome Monte da Pombeira, será que se deve a alguma numerosa colónia de pombas bravas que por lá existiu?
Também do nome duma ave deriva o topónimo Vale Minhoto, que vem de minhoto (milhafre) ave de rapina.
Vale Manfonso e Vale Mampaz, são dois topónimos com elementos de origem germânica (sueva ou visigótica). No primeiro, Vale Man-Fonso, temos: Vale (vulgaríssimo na nossa toponímia) está filiado no latim Valle; Man no gótico Manna, homem, (tal como em Mangualde) e Fonso, grafia medieval de Afonso, nome também de origem germânica. Portanto, Vale Manfonso significaria (à letra): Vale do Homem Afonso. O erudito Dr. Pedro Augusto Ferreira (Abade de Miragaia) também nos fala do elemento man, incorporado na composição do gentílico normando: nort + man = homem do norte.
No segundo topónimo a única diferença está no sufixo paz, do latim pace.
Se me é permitido divagar um pouco, diria que Mampaz faz lembrar Mampastor que no português antigo significava juiz, responsável pela justiça, sendo levado a pensar que Mampaz poderia significar homem ou juiz de paz. E continuando a divagar, será lícito imaginar que tanto este como aquele Afonso seriam os principais proprietários em cada um dos vales. "Se non é vero é bene trovato"...
Depois da influenciação sueva e visigótica, entre os séculos V e VII, veio a influência árabe, como consequência do domínio muçulmano. Nas Mós temos uma rua chamada da Atafona, dada a existência de um moinho de moer sumagre. Aquele nome provém do vocábulo árabe tahona. De origem árabe é, também, o nosso topónimo Cadima que provém de qadimu, cadîma. Antigamente chamava-se cadima ao que era público: caminhos, estradas e cadimas às terras agora designadas maninhas.
Um étimo árabe muito curioso para nós é Jabolon (monte), donde provém o nosso Janvão e donde deriva também o nome comum jabali, que deu na língua portuguesa javali, animal antigamente mais conhecido nas Mós pelo nome de porco-montês.
Mas a maioria dos nomes geográficos das Mós foram sendo formados com os recursos da nossa própria língua, descrevendo, sobretudo, acidentes geográficos, quase sempre relacionados, como ficou dito, com os rosários de montes que encaixam a povoação e, duma maneira geral, todo o seu termo: montes, vales, portelas, etc. Designações que ocupando grande parte da nomenclatura toponímica das Mós, derivam, algumas delas, de antiquíssimos arcaísmos. Lembro aqui do topónimo Selada que vem do arcaísmo Sellada. Olhando atentamente a cordilheira de montes que termina no Alto da Selada verificamos que a respectiva lombada, muito empinada, chega àquele ponto e quebra, formando um escalão. Este sítio mais baixo do monte é atravessado pelo caminho estreito e ziguezagueante, por onde se passa de um para o outro lado do monte. E porque se apresenta como uma depressão oblongada, faz lembrar a curvatura duma gigantesca sela. E desta parecença derivará o topónimo.
Para além da correnteza de montes que incorpora o Alto da Selada outros montes há que, encaixando a povoação, estão seperados por vales. E quando estes se apresentam como sítios de passagem (mais ou menos estreita) entre dois montes, são designados portelas, sendo a mais conhecida a Portela, situada entre os montes de Santa Bárbara e da Pombeira. Sobranceira ao Vale de Trigo, foi em tempos (não muito distantes) ponto de passagem indispensável para quem se dirigia para a Estação de Freixo, para o Rio Douro e para outros destinos.
Mas além desta, na Toponímia das Mós existem mais de uma dúzia de topónimos que integram o elemento Portela que, em alguns casos, não representa mais do que um desfiladeiro. Portela tem o Lameirão que, etimologicamente, quer dizer grande lameiro. Nunca por lá vi nenhum lamaçal, mas sim frondosos olivais, amendoais, hortas e alguns pastos para o gado, durante uma parte do ano. Riqueza económica, botânica e ambiental que a acção negligente ou mesmo criminosa de alguns acabou por destruir.
Já vimos que Penafria deriva de penha ou penedo; da fenda duma fraga donde brote água, deriva o nosso topónimo Gricha, apresentado em raros dicionários como regionalismo.
Barreira significará encosta, outeiro, cabeço. Cabeço, por seu turno, pertence ao número de vocábulos que se relacionam com o corpo humano, adquirindo uma significação geográfica (metafórica), como é o caso do Cabeço da Negra.
E por agora termino, em 21 de Outubro de 2007.

(1) MACHADO, José Pedro, Origens do Português, vide pág. 115 e seguintes.

José Gomes Quadrado
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2 - O IMPACTO DO "MINÉRIO" NAS MÓS (I)

A saga dos volframistas

«A 1 de Setembro de 1939, no dia em que teve inicio a terrífica 2ª Grande Guerra, o governo de Salazar emitiu uma declaração proclamando a “neutralidade portuguesa no conflito europeu”. A nossa situação geográfica, o rumo que Hitler acabou por imprimir às suas investidas (para Leste) e algumas afinidades ideológicas, permitiram a Salazar manter a proclamada neutralidade e desenvolver a estratégia que mais convinha à preservação do império colonial e mais favorecia o comércio externo português. Para atingir este objectivo viria a participar, progressivamente, na chamada “Guerra Económica”, sobretudo, a partir de meados de 1941, quando - com a invasão alemã na Rússia – um conjunto de produtos assumiu uma grande importância estratégica, com especial destaque para a exportação dos minérios do volfrâmio, que viria a funcionar como “faca de dois gumes”, já que foi assinando sucessivos acordos: quer com os ingleses, mantendo o País fiel à secular aliança com a Inglaterra; quer com os alemães, não só para manter a estratégia acima referida mas também porque esperava, então, uma vitória (mesmo que parcial) da Alemanha.
Sendo Portugal o maior extractor destes minérios na Europa, mais do que competitividade entre os beligerantes, estabeleceu-se uma agressiva emulação, desenvolvida pelas respectivas representações diplomáticas, através de agentes que agindo com maior ou menor secretismo, deram origem ao desenvolvimento do contrabando e à subida em espiral do preço dos dois minérios. O efeito desta alta na agricultura do Norte e Centro do País foi deixando o governo cada vez mais preocupado, motivo que o levou a regular e a controlar com maior firmeza o mercado, o que implicou o aumento da repressão, não só em relação aos contrabandistas mas também aos que extraíam os minérios sem licença.
Numa conjuntura em que 15 ou 20 gramas de “minério” passaram a render mais do que aquilo que se colhia nas magras courelas ou do que pagavam por um dia de jeira, a maioria dos camponeses das Mós virou volframista, mesmo correndo os riscos provocados por sucessivas surtidas da GNR, porque actuava sem a exigida licença. Para além de residentes, esta opção viria a ser tomada, também, por alguns mosenses ausentes há vários anos, chegando alguns a deixar o “colarinho branco” e tal como outros retornados (mormente do Porto), vieram para integrar parcerias que laboravam, sobretudo, no sítio sugestivamente designado FILÕES.
Este, como outros espaços mineiros, situa-se numa das lombas ondulantes que se erguem até ao termo de Freixo de Numão, parte das quais podem ser observadas do esplendoroso miradouro de Santa Bárbara. Vertentes muitas vezes percorridos por um dos meus informantes privilegiados, o amigo Rui Solteiro, que conhecendo como ninguém os espaços mineralíferos desactivados, ou seja, o que resta de galerias, trincheiras e poços, é de opinião que teriam sido os das Mós quem mais minérios extraiu “de todos os povos do nosso concelho”. Mas os condicionamentos impostos pelo orografia dissuasória, devidos ao volumoso Montargão (e não só) não permitiam que a nossa povoação tivesse acesso às principais estradas do concelho, e esta terá sido a razão suficiente para impedir que as grandes empresas mineiras se estabelecessem no termo das Mós, optando, antes, por se fixarem no de Freixo de Numão. Sendo assim, talvez só possamos afirmar que terá sido nas Mós onde, eventualmente, mais gente se ocupou na extracção de volframite e de scheelite por conta própria, incorporando diversos tipos de parcerias. Esta generalização ter-se-ia ficado a dever (entre outros eventuais factores) à existência no seu termo de duas linhas de água do tipo torrencial, os ribeiros das Mós e o de Valmampaz, praticamente secos durante grande parte do ano, e sobretudo aquele, que sempre foi um autêntico depósito sedimentar detrítico, constituindo uma sucessão de espaços onde a extracção de minérios era fácil. De tal maneira, que duas que duas jovens munidas de um pequeno sacho e de um alguidar de zinco, ganhavam o dia e ânimo, esgravatando areias e cascalhos, provenientes da secular erosão que as enxurradas, desde sempre, provocaram nas referidas e empinadas ladeiras que, longitudinalmente, se estendiam ao longo da margem esquerda do ribeiro, desde Sobradais até às proximidades da povoação. Parcerias como esta optavam pela chamada “forma de exploração à superfície”, esgravatando ou escavando onde melhor lhes parecia, actuando impelidos por palpites, desde que nas proximidades existisse água que propiciasse a lavagem dos minérios.
Para além da recolha proveniente de detritos, devidos ao fenómeno de aluvião, os grupos maiores e mais organizados actuavam em terrenos mineralíferos – mormente no já referido sitio dos “FILÕES” – munidos de ferramentas e equipamento, como: pás, picaretas, ferros pontiagudos, marras, guilhos, etc... Os montões de terra iam sendo despejados no “rolho”, para se proceder à “lavagem do minério”, utilizando enxada rasa “baixa”, de folha quase tão larga como o interior do “rolho”, onde ela funcionava num “vai e vem” para apurar os dois minérios mais pesados do que os restantes componentes dos detritos. Regra geral, a água não abundava, então tornava-se indispensável a proximidade de 2 poços contíguos: um a montante cuja água depois de passar pelo “rolho” entrava no outro, para voltar a ser revertida para o primeiro. Água sempre movimentada com a ajuda de um gravano. Esta tarefa viria a ser exemplarmente demonstrada pela Associação de Cultura e Recreio “As Mós”, no carro alegórico com que galhardamente participou no Desfile Etnográfico da Festa das Amendoeiras em Flor, no ano de 2004.
Os volframistas por conta própria actuavam sem o prévio conhecimento do valor económico de jazigos metalíferos e com um insuficiente conhecimento da arte de abrir galerias que, portanto, eram minadas sem o devido escoramento, dando azo a desmoronamentos, o mais trágico dos quais roubou a vida a dois volframistas dum grupo de mosenses que actuava nos Filões. E além deste desastre, mais um ou outro aconteceram, provocando fracturas, nomeadamente, de pernas.
Os minérios recolhidos em detritos, de pequenas dimensões, eram depois espalhados em pratos e escolhidos a dedo, separando a volframite de uma cor negra e brilhante da scheelite (“o minério branco”) de uma cor branca amarelada e que apesar de serem mais duros, densos e pesados do que os outros detritos, mesmo assim, era necessário retirar-lhes eventuais impurezas, para não se “vender gato por lebre”, como, por vezes, acontecia. Esta tarefa era normalmente desempenhada por mulheres.
As consequências sociais e urbanísticas desta saga serão assunto dum próximo artigo. »

José Gomes Quadrado

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3 - O IMPACTO DO "MINÉRIO" NAS MÓS (II)



Consequências sociais e urbanísticas

Uma das primeiras e mais significativas consequências da “febre do minério” foi o aumento da população residente nas Mós. De 1930 a 1940, a população passara de 757 para 723 habitantes, ou seja, perdera 5,6% dos seus habitantes. Entre 1940 e 1944, o número de residentes terá crescido cerca de 40%, ultrapassando um total de mil habitantes. E digo terá, porque não conheço registo fidedigno deste histórico crescimento populacional, que se ficou a dever menos ao retorno de mosenses que se tornaram volframistas, mas sobretudo à fixação de várias dezenas de famílias oriundas de zonas mais populosas do Alto Douro, como a da Régua, a do Tua, e até uma numerosa família luso-espanhola aqui se fixou! Durante aqueles breves anos, os resultados da extracção e venda do “minério”, mais do que estancar a sangria demográfica, tiveram o condão de inverter o fenómeno migratório das Mós, já que de aldeia propensa a fornecer um número crescente de emigrantes, passou a ser “ponto de chegada” de imigrantes activos.
Tirante um caso ou outro, esta gente não veio à cata do “eldorado”, mas para suprir a falta de assalariados que então grassava na povoação, visto que (como referi na crónica anterior) a partir da altura em que 15 ou 20 gramas de “minério” passaram a render mais do que uma jeira, nenhum “jeireiro” mosense se prontificava a trabalhar por conta de outrem. Os imigrantes vieram então para serem recrutados por pequenas ou médias empresas mineiras e, sobretudo, para trabalharem na construção civil. Os poucos mosenses que se ocupavam nesta actividade funcionavam, quase sempre, como mestres carpinteiros ou pedreiros. E porque a procura era muita, mais do que operários, actuavam como pequenos empreiteiros, opinando e/ou concebendo, sobretudo os mais criativos e engenhosos, a melhor maneira de construir ou reconstruir as numerosas casas novas então erguidas.
Os extraordinários aumento e renovação do parque habitacional da aldeia representam o testemunho mais perene e significativo da repercussão que a extracção e venda da volframite e da cheelite tiveram nas Mós. Entre 1941 e 1943, não havia “loja”, casebre ou pardieiro que não estivesse habitado. E como sempre, os piores instalados eram os imigrantes, mas também havia mosenses a viverem em condições muito precárias: em casas ou casebres, muitas vezes alugados ou cedidos, quase sempre construídos por um só piso, alguns deles com chão lajeado ou mesmo de terra batida!
E foram muitos destes que vieram a promover a construção de residência própria, mormente, nos sítios do Pombal e do Atalho, onde, anteriormente, não existia uma só casa de habitação.
A arquitectura escolhida seguiu, regra geral, as técnicas tradicionais de construção, dando lugar a habitações verdadeiramente rurais e não imitações de casa exóticas como, mais tarde, aqui como em todo o mundo rural português viria a contecer. Foram construídas de acordo com características especificas, perfeitamente integradas na paisagem envolvente, obedecendo às condições geológicas, isto é, utilizando o xisto, o único tipo de pedra existente no termo das Mós.
Uma das alterações mais significativas então introduzidas na construção das novas casas com mais de um piso residiu, sobretudo, nas escadas, que passaram a ser interiores e feitas de madeira; contrastando com as escaleiras exteriores feitas em pedra, que anteriormente prevaleciam, terminando num balcão (maior ou menor) e, por vezes, nos já muito raros alpendres. As casas com alpendre à entrada que já eram poucas, praticamente desapareceram com as inovações “arquitectónicas” trazidas da Europa pelos nossos emigrantes na segunda metade do século XX.
As casas baixas e casebres pertencentes a proprietários residentes, de uma maneira geral, foram demolidos e substituídos por casas de habitação construídas por: um pavimento térreo – servindo de corte (loja) de animais e/ou de arrumos de alfaias, batatas, cebolas, cereais, etc. – e por um ou dois pisos de sobrado para habitação.
Alguns dos imigrantes eram caiadores o que levou a um mais generalizado emprego da cal nas paredes exteriores de algumas das melhores casas então erguidas, mormente as construídas no designado “estilo colonial” e que mais tarde vieram a ser pintadas, como demonstra a casa que ilustra este texto. mesmo assim, a grande maioria das casas apresentavam as paredes de xisto sem reboco.
Comum a quase todas era o telhado de duas águas, com telhas vindas da Touça (salvo erro) e que assentavam numa trave e num ripado de madeira. Eram raras as que tinham janelas de vidro, sendo mais comum as de madeira, e nalguns casos existia, quando muito, um simples postigo, quase sempre com um único batente. É que entre os muitos mosenses que construíram ou reconstruíram as suas próprias habitações, gente havia a quem o dinheiro amealhado apenas permitiu erguer as paredes exteriores, telhar, assombrar e fixar a pedra da lareira, onde se cozinhava e toda a família se aquecia nas noites frias de Inverno. E porque (tal como as demais casas modestas) não tinham chaminés, o fumo da lareira escoava-se pelas telhas, por onde entravam também raios de luz solar. E erguendo o olhar, observava-se melhor a generalizada arquitectura das casas da povoação: maior altura no centro do que dos lados, devido à configuração da cobertura de telha vã.
E porque estas novas assoalhadas eram amplas e pouco mobiladas, tornavam-se propícias à realização de vários bailes aos domingos, levados a cabo por uma juventude residente, numerosa como nunca e amiga de folgar (como sempre) e que graças a tão propícias condições, cantou e dançou como nenhuma outra geração que a precedera. Até ao aparecimento e divulgação das grafonolas, os cantares tradicionais assumiram um papel determinante na realização dos seculares bailes de roda. Depois passou a dançar ao som de músicas revisteiras vindas do Porto e de Lisboa.
Viveram-se quatro anos de uma certa euforia, isto é, com entusiasmo ou sensação de bem-estar. Mas”foi sol de pouca dura”. Acabada a “Guerra Económica”, sucedeu-lhe o ano hidrológico (Outubro de 1944 a Setembro de 1945) mais seco do século XX. E a partir de então, as condições de vida agravaram-se de tal modo, que apesar do aparecimento de ingressos nas obras de construção do troço da Estrada Nacional N.º 324, entre Murça e a Estação de Freixo, a população residente passou a decrescer tão progressivamente, que chegou aos 714 habitantes registados em 1950!
Esmiuçado o que duma maneira geral já era sabido, resta dizer que não parece lícito que alguém “letrado” tenha publicamente omitido a existência de vestígios do impacto que a extracção dos minérios do volfrâmio deixou nas Mós.

José Gomes Quadrado